sábado, junho 23

* Roda Viva e o CCC


No momento que se discute a repressão da Ditadura Militar, um assunto ainda desconhecido da maioria dos brasileiros, cercado de mistérios, segredos e lendas, um relato sobre uma peça teatral escrita nesse período, 1967, por Chico Buarque de Holanda, dirigida por José Celso Martinez Correa:
“(...)Na crítica ao espetáculo, *¹ Marco Antônio de Menezes descreve: "A cortina já está aberta quando você chega: enormes rosas à esquerda, enorme garrafa de Coca-Cola à direita, enorme tela de TV no fundo, uma passarela branca avançando até metade da plateia. [...] A campainha toca três vezes, a plateia faz silêncio, ruídos estranhos saem dos alto-falantes, na tela de TV aparece uma frase: 'Estamos à toa na vida'. [...] Entra o coro, com longas túnicas vermelhas e mantilhas pretas. Canta uma triste Aleluia, rodeia Benedito. Aparece o Anjo da Guarda (Antônio Pedro), o empresário de TV, com asas negras, cassetete de policial na cintura, maquiagem de palhaço de circo: 'Benedito não serve, nós precisamos de um ídolo! Você será Ben Silver!' E o coro joga para trás as túnicas e mantilhas, é agora um grupo de jovens iê-iê-iê que canta: 'Aleluia, temos feijão na cuia!' [...] O espetáculo não está somente no palco, o coro invade a plateia, conversa com ela, e o empresário pede um minuto de silêncio em homenagem ao ídolo: cada participante do coro olha fixamente um espectador (agora todos já entendem por que a bilheteria insistiu em vender ingressos da primeira fila). [...] O minuto termina, Ben Silver é carregado para o palco num grotesco andor feito de long-plays e fotos de cantores, conduzido por grotescas caricaturas das 'macacas de auditório', que no fim do primeiro ato o levam embora, deitado sobre uma cruz de madeira, nu, cansado sob o peso do próprio sucesso. [...] Ben Silver, esgotado pelo sucesso, procura o consolo de sua mulher [...] para uma linda cena de amor que é repentinamente interrompida pela câmara (sic) de TV e pelo Capeta (o jornalista desonesto) [...]. E juntos, o jornalista e o Ibope decretam o fim da carreira de Ben Silver: 'O ídolo é casado! E além de tudo, é bêbado!' Uma procissão de três matronas antipáticas tenta salvar o ídolo exigindo que ele faça caridade. Mas nada adianta, Ben Silver acabou. Só há uma solução: transformá-lo em Benedito Lampião, o 'cantor de protesto', vestido de nordestino, falando de 'liberdade' e de 'vamos lutar'. A esquerda festiva o aclama, o jornalista vendido perde sua porcentagem e a vontade de elogiar o Lampião. O Ibope, vestido de papa, decreta novo fim para Benedito Lampião. Para manter o prestígio, ele deve suicidar-se. [...] A plateia sai do teatro evitando sujar os saltos dos sapatos Chanel nos restos do fígado de Benedito Silva que o coro das fãs devora no final. [...] Tudo é caricatura do religioso no espetáculo, que, como atividade religiosa, se desenvolve em todo o teatro, palco, galerias, plateia (O teatro com que sonhava Antonin Artaud). Para criar o ídolo, ele é liturgicamente paramentado, peça por peça de seu ridículo traje prateado. [...] os atores se dirigem agressivamente à plateia, fazem perguntas, pedem assinaturas em manifestos, sacodem e encaram os espectadores (a censura de 14 anos me parece muito pouco severa para o espetáculo). Ben Silver se encontra com a esposa coroado de espinhos, nu, como o Cristo. A tentativa de salvar o ídolo em decadência é encenada como uma procissão, liderada pelo Capeta (seria a peça toda uma Missa Negra?) - que satiriza o jornalista marrom - usando como cruz o conhecido 'X' de lâmpadas empregado pelos fotógrafos. E a primeira cena entre Benedito e sua mulher é uma caricatura da Visitação de Nossa Senhora. [...] Elementos cristãos, aliás, são misturados com rituais pagãos (o fígado de Prometeu, as orgias de Dionísio), até com rituais políticos (a foice-e-martelo no chapéu nordestino de Benedito Lampião). José Celso, na realidade, mais que dirigir, celebrou Roda Viva”.(*¹ - MENEZES, Marco Antônio de. Roda Viva, de Francisco Buarque de Holanda. Jornal da Tarde, São Paulo, 2 fev. 1968) - (Fonte: Itaú Cultural.org.br)



Na estreia, no Rio de Janeiro, fizeram parte do elenco Marieta Severo, Heleno Prestes e Antônio Pedro, nos papéis principais, e a temporada foi considerada um sucesso.
Durante a segunda temporada, em São Paulo, com Marília Pera, André Valli e Rodrigo Santiago substituindo o elenco original, a obra virou um símbolo da resistência contra a ditadura militar. Um grupo de cerca de cem pessoas do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), invadiu o Teatro Galpão, e espancou os artistas e depredou o cenário.

Após o revés na capital paulista, o espetáculo voltou a ser encenado, desta vez em Porto Alegre. No entanto, os atores da peça voltaram a ser vítimas da violência e intransigência do CCC e, após este segundo incidente, o Roda Viva deixou de ser encenada. Mas esta é considerada uma das mais importantes peças de teatro brasileiras já produzidas nos anos 60. (Wikipédia)
(...)O teatro também sofreu os reveses de um ano tumultuado. Em 18 de julho O Galpão, sala do Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, que apresentava a peça “Roda Viva”, foi invadido e depredado pelo CCC (Comando de Caça aos Comunistas). O CCC nasceu nas salas do Mackenzie, tradicional universidade paulistana. Em nome dos bons costumes, perseguiram várias peças consideradas subversivas e agressivas à moral conservadora que hipocritamente defendiam. “Roda Viva” era uma peça de Chico Buarque e encenada por José Celso Martinez Corrêa. Durante a invasão, 20 homens armados com cassetetes e soco-inglês sobre as luvas, espancaram os atores, destruíram camarins, bancos, refletores, instrumentos e equipamentos elétricos. Marília Pêra, a protagonista da peça, foi agredida por cassetete no camarim, teve as roupas rasgadas, sendo arrastada para a rua. Também foram agredidos: o assistente de coreografia Jura Otero, os atores Rodrigo Santiago, Margot Baird, Eudóxia Acunã e Walkiria Mamberti.
Outros incidentes ocorreriam com “Roda Vida”. Em outubro, poucos dias antes da sua estreia em Porto Alegre, panfletos foram distribuídos pela cidade dizendo: “Hoje poupamos a integridade física dos atores e espectadores, amanhã não”. A cidade encheu-se de cartazes do CCC com ameaças aos atores, incitando-os a deixar a cidade. À noite, quando o elenco voltava da peça para o hotel onde estava hospedado, foi atacado por 30 homens armados. A atriz Elizabeth Gasper e o violinista Zelão, seu marido, que faziam parte do elenco da peça, foram sequestrados, humilhados e abandonados longe da cidade. Durante o sequestro, foram pressionados a deixar a cidade em 16 horas. (Fonte: http://jeocaz.multiply.com/journal?&page_start=180&show_interstitial=1&u=%2Fjournal).



CCC – Comando de Caça aos Comunistas
Atuação: Segundo o almanaque do jornal Folha de S. Paulo, o CCC foi responsável pelos seguintes eventos:
 - Invasão do Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, onde espancaram o elenco do espetáculo Roda Viva (em 18/7/1968);
 - Atentado à bomba no Teatro Opinião, no Rio de Janeiro (em 2/12/1968);
 - Sequestro e assassinato do padre Antônio Henrique Pereira Neto, em Recife (em 26/5/1969). 
De acordo com a professora Maria Yedda Leite Linhares, primeira mulher catedrática em História da Universidade do Brasil (em 1955), "(...)quando houve o golpe militar, a Rádio MEC foi invadida por integrantes do Comando de Caça aos Comunistas (CCC) que literalmente destruíram seus estúdios."
Segundo relatado pela Fundação Perseu Abramo e publicado pelo jornal Folha de S. Paulo em 28 de novembro de 1977, "(...) As sedes dos DA de Filosofia e Letras, DA Leão XIII, CA de Ciências Sociais e Serviço Social, CA 22 de agosto e do DCE -Diretório Central dos Estudantes- foram depredadas. Portas que estavam fechadas apenas com o trinco foram arrombadas a pontapés. As gavetas foram arrancadas fora das mesas e seu conteúdo jogado no chão. Em vários restos de portas ficaram bem nítidas as marcas dos pontapés. Em diversas salas foi pichada a sigla CCC (Comando de Caça aos Comunistas), organização que, como a AAB Aliança Anticomunista Brasileira, se opusera à ideologia comunista. Uma lista enorme de bens das entidades foi levada pela polícia. A biblioteca também foi invadida e seus ocupantes expulsos aos gritos e ameaças de cassetetes. Os policiais jogaram vários livros no chão. Entraram com violência e, usando palavras de baixo calão, nas salas de aula, prendendo todos os seus ocupantes, e muitas vezes espancando-os..."


2 comentários:

  1. Voce sumiu de repente, nem me disse o que achou das fotos que enviei...

    Tudo bem com voce?

    Beijo.

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  2. Libera o email do YR por uns minutos pra eu te enviar umas fotos, não quero ter que publicar pra poder mandar o URL...

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