terça-feira, junho 12

* Esperança...




POEMA DE CANÇÃO SOBRE A ESPERANÇA           

Dá-me lírios, lírios,

E rosas também.

Mas se não tens lírios

Nem rosas a dar-me,

Tem vontade ao menos

De me dar os lírios

E também as rosas.

Basta-me a vontade,

Que tens, se a tiveres,

De me dar os lírios

E as rosas também,

E terei os lírios —

Os melhores lírios —

E as melhores rosas

Sem receber nada.

A não ser a prenda

Da tua vontade

De me dares lírios

E rosas também.

               

Usas um vestido

Que é uma lembrança

Para o meu coração.

Usou-o outrora

Alguém que me ficou

Lembrada sem vista.

Tudo na vida

Se faz por recordações.

Ama-se por memória.

Certa mulher faz-nos ternura

Por um gesto que lembra a nossa mãe.

Certa rapariga faz-nos alegria

Por falar como a nossa irmã.

Certa criança arranca-nos da desatenção

Porque amámos uma mulher parecida com ela

Quando éramos jovens e não lhe falávamos.

Tudo é assim, mais ou menos,

O coração anda aos trambulhões.

Viver é desencontrar-se consigo mesmo.

No fim de tudo, se tiver sono, dormirei.

Mas gostava de te encontrar e que falássemos.

Estou certo que simpatizaríamos um com o outro.

Mas se não nos encontrarmos, guardarei o momento

Em que pensei que nos poderíamos encontrar.

Guardo tudo,

(Guardo as cartas que me escrevem,

Guardo até as cartas que não me escrevem —)

Santo Deus, a gente guarda tudo mesmo que não queira,

E o teu vestido azulinho, meu Deus, se eu te pudesse atrair

Através dele até mim!

Enfim, tudo pode ser...

És tão nova — tão jovem, como diria o Ricardo Reis —

E a minha visão de ti explode literariamente,

E deito-me para trás na praia e rio como um elemental inferior,

Arre, sentir cansa, e a vida é quente quando o sol está alto.

Boa noite na Austrália!

(Álvaro de Campos -heterônimo de Fernando Pessoa)



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Agradeço a sua visita e participação.