A última crônica de Ivan Lessa:
Ivan Pinheiro Themudo Lessa (São Paulo, 9 de maio de 1935 —
Londres, 8 de junho de 2012) foi um jornalista e escritor brasileiro.
"Orlando Porto. Taí um nome como outro qualquer. Podia ser
corretor de imóveis, deputado, ministro, farmacêutico. Mas não é. Trata-se de
um anagrama de um escritor francês - e ator e ilustrador bom e autor e
figurinha difícil francesa e aquilo que se poderia chamar de
"frasista".
Feio como um demônio, no meio da década de 50 cansei de dar
com ele dando comigo lá pelo Boulevard St. Germain, cheretando o Flore, o Lipp,
fazia uma cara que quem ia dizer algo importante e logo sumia na companhia do
Jean-Pierre Léaud, aquele maluquinho dos filmes autobiográficos do Truffaut.
Dupla estranha. Os desenhos do -esse seu nome, artístico ou
de batismo, Roland Topor- eram bacaninhas. Mas sempre foi Orlando Porto para
mim.
Fez cinema também. O Inquilino do Polanski, o Reinfeld de
Nosferatu, do Werner Herzog. Até que bateu o que ocultava seus pés: umas botas
estranhas como ele.
De vez em quando, numa revista esotérica, dou com ele. Ei-lo
numa em inglês com "100 boas frases para eu matar agorinha mesmo". Se
chegou ao fim, e chegou, foi pelo cachê. Meros galicismos literários.
E aí trago à cena, mais uma vez, porque cismei, mestre
Millôr Fernandes. Esse era profissional. Nada a ver com "frasista".
Trabalhava com a enxada dura da língua. Nunca para dar a cara no Flore,
principalmente com Topor e Léaud.
Reli umas 100 frases do Orlando, ou Topor, e não resisti à
tentação de, em algumas delas dar-lhes uma ginga por cima e outra por baixo, à
maneira do frescobol querido do mestre, só para exercitar os músculos muito
fora de forma.
Cem razões: Faço por bem menos, mas mais Copacabana e
Leblon. Algumas raquetadas minhas em homenagem ao mestre cuja falta continuo
sentindo:
- Melhor maneira de verificar, antes, se já não estou morto.
- Mas não se mata cavalos e malfeitores?
- Pelo menos eu driblaria o câncer.
- Milênio algum jamais me assustará.
- Apanhei-te horóscopo! Pura enganação!
- Levo comigo a reputação de meu terapeuta.
- Pronto, agora não voto mais mesmo! Chegou!
- Aí está: uma cura definitiva para a calvície.
- Enfim cavaleiro do reino de sei lá o quê.
- A vida está pelos olhos da cara. Pra morte eles fazem um
precinho especial, combinado?
- Enfim, ano bissexto nunca mais. Esses ficam para o Jaguar.
O resto pro Ziraldo.
- Ao menos é uma boca de menos a sustentar.
- Só quero ver quanta gente vai sincera no meu funeral.
- Pronto! Inaugurei estilo novo: Arte Morta.
- Sabe que minha vida não daria um filme. O livro eu já
escrevi. Deixem o desgraçado em paz, peço-lhes.
- Custou, mas estou acima de qualquer lei que vocês bolarem
aí.
- Levou tempo, mas cortei enfim meu cordão umbilical.
- Roncar, nunca mais. Nem eu nem ninguém ao meu lado.
- Que desperdício nunca ter fumado em minha vida!
- Consegui preservar o mistério sempre girando em meu torno.
- Maioria silenciosa? Essa agora é comigo.
- Na verdade, nunca me senti à vontade nessa posição
incômoda de cidadão do mundo.
- Ei, juventude, pode vir que pelo menos uma vaga está
aberta.
- Emagrecer é isso aqui.
- Agora é conferir se, do outro lado, sobraram tantas
virgens assim.
E assim, cada vez que um "frasista" passar por
perto de mim, leve uma nossa: minha e de Millôr. Dois contra um, a gente ganha
mole."
Filho do escritor Orígenes Lessa e da jornalista e cronista
Elsie Lessa. É bisneto do escritor e gramático Julio Cézar Ribeiro Vaugham,
autor, entre outros, do romance naturalista A Carne e também criador da
Bandeira Paulista[carece de fontes]. Ivan foi editor e um dos principais
colaboradores do jornal O Pasquim, onde assinava as seções Gip-Gip-Nheco-Nheco,
"Fotonovelas" e Os Diários de Londres, escritos em
"parceria" com seu heterônimo Edélsio Tavares. Lessa publicou três
livros: Garotos da Fuzarca (contos, 1986), Ivan Vê o Mundo (crônicas, 1999) e O
Luar e a Rainha (crônicas, 2005). Ivan Lessa morava em Londres desde janeiro de
1978 e escrevia crônicas três vezes por semana para a BBC Brasil.
Ivan Lessa criou junto com o cartunista Jaguar o ratinho Sig
(de Sigmund Freud), baseada na anedota corrente da época na qual se dizia que
se "Deus criou o Sexo, Freud criara a sacanagem". O ratinho se tornou
símbolo de O Pasquim, aparecendo também nas capas da coleção "As anedotas
do Pasquim", publicada nos anos 70 pela Editora Codecri.
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