Os recentes assassinatos de policiais militares atribuídos à
facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), seguidos de outras mortes
na mesma região dos ataques, sinalizam um ciclo cada vez mais intenso de
retaliação e derramamento de sangue nas ruas de São Paulo, segundo analistas
ouvidos pela BBC Brasil.
Os sinais de uma onda de crimes de vingança se destacam no
mesmo momento em que as estatísticas de criminalidade no Estado se elevam.
Neste ano, mais de 80 policiais militares, da ativa e da reserva, foram
assassinados. O número geral de homicídios entre janeiro e agosto também já é
7,6% mais alto que o do mesmo período do ano anterior.
Nos últimos 15 dias, os conflitos se intensificaram ainda
mais, com os assassinatos de quatro PMs e 21 cidadãos em quatro diferentes
cidades. A maioria dos policiais sofreu emboscadas durante seus horários de
folga.
As investigações sobre esses últimos crimes ainda não
comprovaram que os PMs foram mortos por ordem do PCC. No entanto, em casos
anteriores, como o do assassinato do policial Edison Avelino de Sales, no
Guarujá, em maio de 2012, o Ministério Público diz ter provas dessa relação.
Seguindo um mórbido padrão, em três dos quatro casos mais
recentes de assassinatos de policiais, diversas pessoas foram mortas em
seguida, no mesmo local, por homens mascarados.
"É impossível negar que há uma linha ligando as mortes
de civis e as de policiais militares", afirma o procurador Márcio
Christino, especialista em investigações sobre o PCC. "Os casos estão
relacionados."
Uma das hipóteses investigadas pela polícia é de que os
homicídios tenham sido praticados por esquadrões da morte integrados por
policiais. Eles agiriam para vingar os colegas mortos.
Entretanto, o secretário da Segurança Pública de São Paulo,
Antônio Ferreira Pinto, tem afirmado que outros criminosos podem estar explorando
a situação e acertando contas com rivais para que a culpa recaia sobre
policiais.
Para Christino, os recentes assassinatos de policiais marcam
uma mudança de estratégia do PCC após uma série de ataques em maio de 2006 -
que deixaram quase 500 civis e 50 servidores mortos.
Segundo ele, na ocasião, as operações de grande envergadura
da polícia após os ataques acabaram com a capacidade de venda de drogas e armas
nas cidades onde a facção opera no oeste do Estado.
"Depois de 2006, o PCC adotou a estratégia de conflitos
de baixa intensidade", diz Christino, "sem a característica
espetacular e midiática de antes, atingindo agora apenas seu oponente mais
efetivo, a Polícia Militar". Ele acrescenta ser pouco provável que ataques
da escala dos ocorridos há seis anos se repitam.
Analistas sugerem, porém, que o aumento nas mortes de PMs
acontece simultaneamente a um endurecimento das ações da polícia.
No fim de maio, a Rota - tropa de elite da PM designada pelo
governo para combater o PCC - protagonizou uma das ações mais violentas deste
ano contra a facção. Seis suspeitos de integrar o grupo criminoso e acusados de
planejar resgatar um detento foram mortos pela polícia.
Um deles teria sobrevivido ao tiroteio inicial e sido
supostamente executado a tiros pelos PMs no caminho para o hospital. Três
membros da Rota foram presos durante as investigações sobre o episódio.
Mensagens da prisão
Facção criminosa estaria enviando ordens de vingança contra
policiais de dentro de prisões
Segundo Camila Nunes Dias, pesquisadora do Núcleo de Estudos
da Violência da Universidade de São Paulo e da Universidade Federal do ABC, a
recente onda de violência não é uma reação dos criminosos a ações mais
eficientes da polícia, como sugere o governo estadual. Seria, sim, uma resposta
a operações policiais mais violentas.
Um sinal disso seria o fato de lideranças do PCC passarem a
enviar mensagens - conhecidas como "salves" - para seus subordinados
em liberdade, ordenando assassinatos de policiais militares.
Uma das mensagens, enviada em maio, teria partido do detento
Roberto Soriano, o Betinho Tiriça, uma liderança do PCC. Segundo promotores,
ele estaria ordenando vingança contra a polícia devido ao assassinato de um
traficante de drogas.
"Uma das diretrizes do PCC diz que, se um policial
capturar um de seus membros e executá-lo ao invés de prender, a célula do PCC
da região deve se vingar matando PMs", afirma Dias.
Ela afirma que, dadas às circunstâncias das ações policiais
que resultam em mortes de suspeitos, não se pode descartar a possibilidade que
a Rota tenha tido acesso a informações de inteligência - tais como escutas
telefônicas feitas pela Polícia Militar. Essas informações deveriam ser usadas
para fazer prisões de surpresa, evitando possíveis confrontos.
Contudo, as características de ações ocorridas neste ano
levantam a possibilidade de que elas tenham sido utilizadas apenas para
encontrar os membros do PCC e entrar em confronto com eles.
Procurada, a Secretaria da Segurança Pública preferiu não
comentar o assunto.
O ex-secretário nacional da segurança pública Luiz Eduardo
Soares, atualmente professor da Universidade Estácio de Sá, no Rio, afirma que
picos de violência já ocorreram antes em São Paulo e ainda é impossível saber
se o atual cenário é temporário ou representa uma escalada da violência.
"A raiz (do problema) está na ingovernabilidade das
polícias civil e militar, organizadas segundo parâmetros herdados da ditadura,
associada à leniência com que autoridades da segurança pública - apoiadas por
autoridades políticas - tacitamente autorizam a brutalidade policial letal em
nome do rigor no combate ao crime", avalia Soares.
Para ele, a tolerância com ações ilegais da polícia não
reduz, mas aumenta a criminalidade e intensifica sua violência,
"projetando o ciclo vicioso da brutalidade letal contra os próprios
policiais".
O índice de letalidade da Rota, por exemplo, vem subindo ao
longo dos anos. Entre 2007 e 2011, essa elevação foi de 78% - de 46 pessoas
para 82. Neste ano, 229 suspeitos foram mortos pela PM como um todo.
Camila Nunes Dias diz que, ao não refrear a violência dos
policiais, o Estado ajuda a legitimar o discurso do PCC - que afirma existir
para proteger seus membros dos abusos do governo. "Foi feita em São Paulo
uma opção pelo conflito armado", afirma a pesquisadora.
"Os criminosos matam um policial, e acredito que não
por coincidência, naquele local são executadas outras pessoas. Isso gera mais
sede de vingança dos criminosos", acrescenta. "A meu ver, a tendência
é isso se agravar se não houver uma tentativa de romper com esse ciclo vicioso.
Não dá para esperar que os bandidos vão interromper isso, então a iniciativa
tem que partir do lado das forças da ordem."
Já o analista político Bruno Garschagen, do Instituto
Millenium, avalia que não é possível afirmar que uma suposta tolerância a ações
duras da polícia seja uma política do atual governo de São Paulo.
Segundo ele, as forças de segurança governamentais promovem
ações de maior intensidade em determinados momentos - como após atentados ou
crimes que geraram comoção pública. (Luis Kawaguti-BBC Brasil SP).
Enquanto isso, as estatísticas oficiais mostram uma diminuição brutal na violência em São Paulo e..."Procurada, a Secretaria da Segurança Pública preferiu não comentar o assunto".
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