Diante da série de derrotas nas urnas, da perda diária de
leitores para os meios alternativos de comunicação e pressionados pelas
obrigações cada vez maiores das despesas e custos fixos com os quais precisam
arcar, em um mercado publicitário abalado pela crise econômica mundial,
jornais, rádios e canais de televisão pertencentes aos grupos empresariais
ligados à direita, no Brasil, levantam o tom contra o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, a presidenta Dilma Rousseff e o ex-ministro José Dirceu, em novas
e seguidas tentativas de desgastar a imagem pública dos principais líderes de
esquerda no país. A rotina de investigações da Polícia Federal e os
consequentes encerramentos de inquéritos, a exemplo da Operação Porto Seguro,
transformam-se em espetáculos mediáticos nos quais Lula, Dilma e José Dirceu
são imediatamente citados, sem nenhuma prova, nenhuma evidência de culpa.
A velha estratégia de manchetar o assunto no qual envolvem
seus desafetos, lhes atribuir a tarefa de provar serem inocentes e, uma vez
provada a inocência, consignar apenas um registro de rodapé tem sido uma
constante nos últimos anos, mesmo sem resultados favoráveis à mídia
conservadora. Em um texto encaminhado ao Correio do Brasil, José Dirceu
registra este fato: “Encerradas as investigações, denunciados os responsáveis e
finalizados os inquéritos, comprovou-se que eu nunca tive ligações com nada
disso”.
“Encerrados a ‘temporada’ e o sucesso midiático do
escândalo, silenciam quanto ao fato de nada ter se provado contra mim”,
acrescentou o ex-ministro.
Ao contrário do que a imprensa conservadora se apressou em
divulgar, nos últimos dias, também não existe qualquer registro de troca de
telefonemas entre a ex-chefe de gabinete do escritório da Presidência da
República em São Paulo, Rosemary Nóvoa Noronha, e o ex-presidente Lula. A
notícia, divulgada com estardalhaço nos maiores jornais do país, nas TVs e rádios
de propriedade dos grandes grupos de comunicação, simplesmente é falsa. Quem
garante é a procuradora da República Suzana Fairbanks, responsável pelas
investigações que culminaram na Operação Porto Seguro – em que Noronha foi
indiciada por suspeita de tráfico de influência e corrupção passiva. Os jornais
mantidos pela direita no país chegaram a afirmar que foram centenas de
telefonemas.
– Conversa dela com o Lula não existe. Nem conversa, nem
áudio e nem e-mail. Se tivesse, nós já não estaríamos mais com a investigação
aqui. Eu não sei de onde saiu isso, porque nunca tive acesso (a tal
informação). Vocês podem virar de ponta cabeça o inquérito, em toda a
investigação – afirmou a procuradora a jornalistas.
Sobre o ex-ministro José Dirceu, Fairbanks garante que,
apesar de ele ter sido citado nos e-mails de Rosemary, também não há qualquer
indício de sua participação no esquema.
– Não tem uma relação direta dele de sociedade ou de
eventual lucro – pontuou.
A PF e a Procuradoria têm 600 páginas com conteúdo da
investigação sobre a ex-chefe de gabinete, que foi exonerada do cargo, na
segunda-feira. A PF recolheu e fez cópia da memória de computadores e
documentos de Noronha, tanto de sua sala, no escritório da Presidência, como de
sua casa. De acordo com a procuradora, Noronha, devido à posição que ocupava,
tinha acesso a pessoas com “os cargos mais altos” e “vendia sua influência”.
Ela teria conseguido a nomeação, em maio de 2010, do diretor de Hidrologia da
Agência Nacional de Águas (ANA), Paulo Rodrigues Vieira, e do diretor de
Infraestrutura Aeroportuária da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac),
Rubens Carlos Vieira. Os irmãos são acusados de chefiar a quadrilha.
– Eles sabiam que ela tinha acesso a gente privilegiada
dentro do governo. Tanto que se utilizava desse cargo, e aí é que está o crime,
para fazer contatos de interesse deles. Agendamento de reunião com políticos,
nomeação deles nas agências reguladoras. Ela ficava lá, pegando no pé do
pessoal do alto escalão, porque tinha essa proximidade, tinha proximidade
física. Ela debate muito com eles, ‘vou falar com fulano, vou falar com
sicrano’. Mas eu não sei exatamente com quem ela conseguiu isso (as nomeações).
O fato é que estava tentando e ela estava veementemente trabalhando nisso – disse
a procuradora.
O “pagamento” pelas nomeações, segundo a procuradora, era
feito com dinheiro para cirurgias e novas nomeações, agora realizadas pelos
irmãos Vieira, supostamente em benefício de Noronha ou pessoas ligadas a ela.
Nenhuma das pessoas beneficiadas também guardam qualquer proximidade com Lula,
Dilma e Dirceu.
Irmãos Valente
O alvo principal da operação são os irmãos Paulo, Rubens e
Marcelo Valente, acusados de comandar um esquema criminoso infiltrado dentro de
órgãos federais.
– A documentação dos autos é muito característica. Eles não
param de cometer crimes, a polícia até usa essa expressão quando pede as
prisões. O fundamento é: eles simplesmente não param de cometer crimes. E foi o
que a gente percebeu. É o tempo inteiro, é o modus operandi deles, está na vida
deles, eles só fazem isso o tempo inteiro – disse a procuradora, na noite
passada.
Os irmãos Paulo Rodrigues Vieira, ex-diretor de Hidrologia
da Agência Nacional de Águas (ANA); Rubens Carlos Vieira, ex-diretor de
Infraestrutura Aeroportuária da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac); e
Marcelo Rodrigues Vieira, empresário, foram presos na última sexta-feira,
acusados de formação de quadrilha. Segundo a procuradora, eles vendiam
pareceres a grupos empresariais para os mais diversos fins.
– O processo do Tribunal de Contas da União que gerou toda
essa investigação era a concessão de áreas no terminal do Porto de Santos que
não tinham sido licitadas – disse.
A investigação da Operação Porto Seguro começou com um
inquérito civil público para a apuração de improbidade administrativa. O
ex-auditor do Tribunal de Contas da União (TCU) Cyonil da Cunha Borges de Faria
Júnior revelou ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal que lhe foram
oferecidos R$ 300 mil para que elaborasse um parecer técnico a fim de
beneficiar um grupo empresarial do setor portuário que atua no Porto de Santos,
a empresa Terminal para Contêineres da Margem Direita (Tecondi), em um contrato
com a Companhia Docas de São Paulo (Codesp).
– Ele (Cyonil) é um corrupto que sofreu um golpe, porque
recebeu um calote do pagamento, não pagaram tudo e ele resolveu denunciar o
esquema. Eram R$ 300 mil (o prometido) e ele recebeu R$ 100 mil, e ficou
cobrando os outros R$ 200 mil – destacou.
Dirceu citado
Indignado com a citação de seu nome como suspeito em um
esquema do qual não há a menor evidência capaz de ligá-lo aos crimes
investigados na Operação Porto Seguro, o ex-ministro José Dirceu apontou a
mídia conservadora como origem das notícias falsas. “Por várias vezes em anos
recentes, a imprensa (ligada à direita) vinculou-me a escândalos que, depois de
concluídas as investigações, denunciados os responsáveis e finalizados os
inquéritos, comprovou-se que eu nada tinha a ver com tais episódios. Meu nome
nem sequer figurou como testemunha nestes processos”, desabafa.
“Foi assim pelo menos seis vezes: nos casos Celso Daniel;
MSI-Corinthians; Eletronet; Operação Satiagraha; Carlos Alberto Bejani, ex-prefeito
de Juiz de Fora (MG), do PTB; e Alberto Mourão, ex-prefeito de Praia Grande
(SP), do PSDB. Em alguns desses casos – como Bejani, Eletronet e Satiagraha –,
meu nome foi parar no noticiário das TVs. Repito: encerradas as investigações,
denunciados os responsáveis e finalizados os inquéritos, comprovou-se que eu
nunca tive ligações com nada disso”, acrescentou o ex-ministro.
“Agora, a história se repete. A partir de declarações de
Cyonil Borges, ex-auditor do TCU sob investigação da Polícia Federal na
Operação Porto Seguro, que apura denúncias relacionadas a Paulo Vieira
(ex-diretor da Agência Nacional de Águas-ANA), de novo sou envolvido.
Gratuitamente. Irresponsavelmente, como das outras vezes. As investigações
ainda estão em curso e meu nome já é escandalosamente noticiado como
relacionado ao caso. Não custa recordar que Francisco Daniel, irmão do
ex-prefeito assassinado de Santo André, Celso Daniel, fez o mesmo: acusou-me de
beneficiário de esquema de corrupção que teria havido em Santo André. Quando o
processei por calúnia, ele afirmou em juízo que ouvira de terceiros que eu era
o destinatário de recursos financeiros ilegais para campanhas eleitorais do
PT”, pontuou José Dirceu.
Ainda segundo o líder petista, “Francisco Daniel retratou-se, de forma cabal e indiscutível na Justiça. Mas isso praticamente não foi noticiado pela imprensa. E continua sem ser noticiado quando a mídia com frequência volta ao caso Celso Daniel. Ela repete a acusação que me foi feita por Francisco, sem registrar – ou fazendo-o sem o menor destaque – que ele se retratou. Assim foi em todos os demais casos que lembrei. Envolvem meu nome no noticiário com o maior estardalhaço, mas encerrados a “temporada” e o sucesso midiático do escândalo, silenciam quanto ao fato de nada ter se provado contra mim – pelo contrário, as investigações terem concluído que eu não tive o menor envolvimento com o caso em pauta”. (Correio do Brasil)