terça-feira, dezembro 11

* Noite Feliz - Luiz Vilela




 



Entre, Pai. Entre, Mãe. Entre, Joaquim. Vô Zeca. Vó Mariquinha. Tio Nunes. Rosa. Que bom, que bom que vocês vieram - eu estou tão feliz. Vai ser uma noite linda. Vai ser a noite mais bela de todas. Vamos, sentem, ocupem seus lugares. 
E o Pretinho? Por que o Pretinho não veio? Você também devia ter vindo, Pretinho. Aí eu te pegava e te punha no colo - você era tão macio, tão quentinho. Miau... miau... Que saudades, Pretinho... 
Sentem, sentem. A senhora está tão bonita com esse vestido, Mãe. Vô, o senhor não larga seu cigarrão de palha, hem? E o senhor, Tio Nunes, cuidado, não vai contar aquelas piadas bobagentas. Vó Mariquinha, sabe que a senhora fica muito elegante com esse coque? E a Rosa? Sempre com esse sorriso... Joaquim, quantos anos, hem? Quantos anos... Muita água passou debaixo da ponte... 
E o senhor, Pai? O senhor está tão sério; tão calado. Por que o senhor me olha assim? Por que o senhor não fala nada comigo? Fale, Pai; fale alguma coisa. Não fique me olhando assim. Vocês todos, parem de me olhar desse jeito. Por favor. Meu Deus, meu Deus... Tem dó de mim... Eu não queria isso, juro que eu não queria... 
Não! Não e não! Onde está sua fibra, menina? Minha fibra? Minha fibra está aqui - ora, bolas. Pensaram que eu fosse fraquejar? Pois estão muito enganados. Quem vos fala é a Aristotelina - a Lina. Há meses que eu venho planejando essa noite; pensam que eu vou desistir agora? Nunca. 
Será uma noite única. Será uma noite sem igual. Nem todas as luzes de todas as casas juntas da cidade brilharão mais do que esta casa nesta noite de Natal. Nem todas as luzes de todas as ruas... Ai, Lina, você é impagável; parece que você nunca saiu do palco. Não saí mesmo: você sabe, uma vez atriz... 
Joaquim, lembra daquele Natal em que eu te pedi uma porção de lâmpadas - eu ia iluminar toda a casa, ia fazer um colar de lâmpadas - e aí você me trouxe... Ah, meu Deus... Você me trouxe meia dúzia, Joaquim, meia dúzia de lâmpadas! Então eu falei: o que eu vou fazer com meia dúzia de lâmpadas? O que eu vou fazer? Aí você... Você falou... Eu não lembro... O que você falou?... Eu não lembro... Minha memória... Minha cabeça... 
Noite feliz, noite feliz, o Senhor, Deus de amor, pobrezinho, nasceu em Belém. Não foi fácil: cada garrafa, um posto. Naquele maior, o sujeito: para quê? Eu: não é da sua conta. Ele: se eu não souber, eu não posso vender. Eu, então: é para tirar a cera do assoalho, assoalho de tábuas, casa antiga. Antipático. Depois, no último posto, o rapazinho: e aí, vó, vai virar motorista agora? Vou, eu vou fazer uma viagem pro céu. Então me leva com você, que a coisa aqui na terra tá braba. Mas ele foi gentil, ele foi atencioso. 
Os sinos, eles estão batendo. Missa da meia-noite. Onze e quarenta e cinco. Quinze minutos. Nunca houve ninguém tão só. Nunca alguém, nesse mundo, se sentiu tão só. Nem se eu estivesse - só eu, só eu de gente - nem se eu estivesse lá num deserto de Marte ou lá numa cratera da Lua. Se o telefone tocasse. Se o telefone tocasse, talvez... 
Chega. É hora. A meia-noite se aproxima. Vamos. Noite feliz, noite feliz, o Senhor... Uma garrafa aqui; assim. Outra aqui... Agora essa... Mais essa... E essa... Pronto. Que cheiro forte... Podia ser o cheiro de jasmim que antigamente, nas noites de verão, entrava pela janela aberta e inundava esta sala onde todos nos reuníamos e conversávamos e éramos felizes... 
Meia-noite. Pego esta caixa; tiro um fósforo; risco e... Eis! O fogo!

Nota da blogueira insana: Não gosto de Natal! Fora a conotação religiosa da data que prega a solidariedade, absurdamente ignorada, entendo que ninguém pode ser obrigado a viver um dia de propaganda de margarina, cenário familiar perfeito, para ser obrigatoriamente feliz.
Antes que apareçam idiotas com teorias a meu respeito, tenho família, como muitas outras pessoas, que se juntam no Natal, trocam presentes, se acabam em mesas fartas, alheias às dores do mundo.
Não gosto do Natal, desde criança, quando as cores e luzes da árvore de Natal me encantavam, e a imagem de um Papai Noel hipotético e patético preso numa chaminé inventada, me fazia rir. Sou tomada por uma tristeza inexplicável, que festa nenhuma poderia curar, presente nenhum poderia amenizar...
Esse será o tom até o Natal, vou extravasar a dor do mundo que toma conta de mim, sem pudor... E quem quiser, que dê sugestões de presentes, ceia de natal e roupinhas adequadas.
Eu vou entender...!


 

2 comentários:

  1. Solidarizo-me com você em não gostar de Natal.
    Esta é a época em que a hipocrisia humana fica à flor da pele.
    Cansei de receber presentes de quem nunca me ajudou em nada quando realmente precisei e pedi ajuda.
    Cansei de ver pessoas solidárias só nessa data sendo péssimos seres humanos em todo o ano que passou.
    Se deus não estivesse morto ele aboliria essa data que além de ser fictícia para enganar os crentes, é quando a solidão bate forte em quem não tem como participar dessa hipocrisia capitalista.
    JOHN DOE

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    1. Olha, John, tem muito tempo que desisti de entender a razão de minha tristeza nessa época. Hipocrisia, sim, falta de solidariedade sim, e o delírio coletivo de acreditar que é se endividando, obrigando as pessoas se juntarem numa mesa para comer e beber quase à beira da morte é que é possível ser feliz.
      Felicidade pra mim é outra coisa, e natal só teria razão de ser se fosse para ser solidário, para entender que fazemos parte de uma família maior, da humanidade.
      A igreja é muito sarcástica quando incentiva a comemoração do Natal nos moldes que temos hoje.
      Obrigada pela colaboração.

      Beijos meus

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