domingo, fevereiro 24

* Quem é Yoani Sanchez? Por que está sendo tão rejeitada no Brasil?

 

 
 
Yoani Sánchez, dissidente de luxo
 
(*) Por Leandro Fortes
 
Yoani Sanchez vive, hipoteticamente, em uma terrível ditadura comunista onde fazer oposição ao governo é proibido. Mas, ao contrário do que ocorria com os dissidentes soviéticos, por exemplo, ela não vive presa em um gulag submetida a trabalhos forçados, mas em casa, em frente ao um computador, postando em um blog particular.
Além disso, Yoani Sanchez, ao contrário dos verdadeiros dissidentes cubanos, aqueles que enfrentavam tubarões para fugir da ilha e aportar nas areias de Miami para viver o sonho americano, nunca precisou passar por esse perrengue.
Quando quis, a brava dissidente cubana foi morar na Suíça, mas percebeu que entre chocolates finos e paisagens lúdicas logo seria esquecida por seus financiadores e por seu público ávido por heróis anticomunistas: a comunidade cubano-americana da Flórida, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) e, claro, o nosso glamouroso Instituto Millenium, da qual ela é uma das “especialistas”.
Assim, por motivos extremamente patrióticos, Yoani Sanchez voltou a Cuba para continuar sendo maltratada, torturada e perseguida pelo famigerado regime dos irmãos Fidel e Raul Castro.
Mais ou menos como Morena, da novela Salve Jorge, ao voltar para a Turquia certa de que, em momentos cruciais da vida, o Ibope é mais importante que a própria segurança.
Agora, Yoani Sanchez está chateadíssima com a reforma migratória baixada pela ditadura cubana, em janeiro, que acabou com a necessidade de se pedir permissão ao governo para sair do país. Será o fim da vitimização permanente da blogueira-prisioneira e de seus lamentos virtuais ecoados, por essas bandas, pelo que há de mais reacionário na mídia e na sociedade ocidental.
Será, também, o fim da bolsa-dissidente que a SIP paga a Yoani Sanchez para ela não ser obrigada a enfrentar as filas para compra de produtos básicos em Cuba, resultado direto de meio século do criminoso bloqueio econômico liderado pelos Estados Unidos. Tema, aliás, sobre o qual a blogueira não costuma se debruçar.
Yoani Sanchez, quem diria, terá, a partir de agora, que enfrentar a dura realidade de países capitalistas como o Brasil, onde milhões de pessoas gostariam de viajar a Cuba para conhecer as delícias, a cultura e a história desta ilha singular.
Mas não têm dinheiro para isso.
 
(*) Leandro Fortes
Jornalista, professor e escritor, autor dos livros 'Jornalismo Investigativo', 'Cayman: o dossiê do medo' e 'Fragmentos da Grande Guerra', entre outros. Sua mais recente obra é 'Os segredos das redações'. É criador do curso de jornalismo on line do Senac-DF e professor da Escola Livre de Jornalismo. Colunista da Carta Capital.




“La Dolce Vita” de Yoani Sánchez em Cuba 
 
(*)Por Salim Lamrani.

Ao ler o blog da dissidente cubana Yoani Sánchez, é inevitável sentir empatia por esta jovem mulher, que expressa abertamente sua oposição ao governo de Havana. Descreve cenas cotidianas de privações e de penúrias de todo tipo. “Uma dessas cenas recorrentes é a de perseguir os alimentos e outros produtos básicos em meio ao desabastecimento crônico de nossos mercados”, escreve em seu blog Generación Y.
De fato, a imagem que Yoani Sánchez apresenta dela mesma – uma mulher com aspecto frágil que luta contra o poder estatal e contra as dificuldades de ordem material – está muito longe da realidade. Com efeito, a dissidente cubana dispõe de um padrão de vida que quase nenhum outro cubano da ilha pode se permitir ter.
Mais de seis mil dólares de renda mensal.
A SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa), que agrupa os grandes conglomerados midiáticos privados do continente, decidiu nomeá-la vice-presidente regional de sua Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação por Cuba. Sánchez, que como de costume, é tão expressiva em seu blog, manteve um silêncio hermético sobre seu novo cargo. Há uma razão para isso: sua remuneração. A oposicionista cubana dispõe agora de um salário de seis mil dólares mensais, livres de impostos. Trata-se de uma renda bastante alta, habitualmente reservada aos quadros superiores das nações mais ricas. Essa importância é ainda maior considerando que Yoani Sánchez reside em um país de Terceiro Mundo em que o Estado de bem-estar social está presente e onde a maioria dos preços dos produtos de necessidade básica está fortemente subsidiada.
Em Cuba, existe uma dupla circulação monetária: o CUC e o CUP. O CUC representa aproximadamente 0,80 dólares ou 25 CUP. Assim, com seu salário da SIP, Yoani Sánchez dispõe de uma renda equivalente a 4.800 CUC ou a 120.000 CUP.
O poder aquisitivo de Yoani Sánchez
Avaliemos agora o poder aquisitivo da dissidente cubana. Assim, com um salário semelhante, Sánchez poderia pagar, a escolher:
- 300.000 passagens de ônibus;
- 6.000 viagens de táxi por toda Havana

- 60.000 entradas para o cinema;
- 24.000 entradas para o teatro;
- 6.000 livros novos;
- 24.000 meses de aluguel de um apartamento de dois quartos em Havana;
- 120.000 copos de garapa (suco de cana);
- 12.000 hambúrgueres;
- 12.000 pizzas;
- 9.600 cervejas;
- 17.142 pacotes de cigarro;
- 12.000 quilos de arroz;
- 8.000 pacotes de macarrão;
- 10.000 quilos de açúcar;
- 24.000 sorvetes de cinco bolas;
- 40.000 litros de iogurte;
- 5.000 quilos de feijão;
- 120.000 litros de leite (caso tenha um filho de menos de 7 anos);
- 120.000 cafés;
- 80.000 ovos;
- 60.000 quilos de carne de frango;
- 60.000 quilos de carne de porco;
- 24.000 quilos de bananas;
- 12.000 quilos de laranja;
- 12.000 quilos de cebola;
- 20.000 quilos de tomate;
- 24.000 tubos de pasta de dente;
- 24.000 unidades de sabão em pedra;
- 1.333.333 quilowatts-hora de energia;
- 342.857 metros cúbicos de água potável;
- 4.800 litros de gasolina;
- um número ilimitado de visitas ao médico, dentista, oftalmologista ou qualquer outro especialista da área de saúde, já que tais serviços são gratuitos;
- um número ilimitado de inscrições a um curso de esporte, teatro, música ou outro (também gratuitos).

Essas cifras ilustram o verdadeiro padrão de vida de Yoani Sánchez em Cuba e dão uma ideia sobre a credibilidade da opositora cubana. Ao salário de seis mil dólares pagos pela SIP, convém agregar a renda que cobra a cada mês do diário espanhol El País, do qual é correspondente em Cuba, assim como as somas coletadas desde 2007.
Com efeito, no período de alguns anos, Sánchez recebeu múltiplas distinções, todas financeiramente remuneradas. No total, a blogueira recebeu uma retribuição de 250.000 euros, ou seja, 312.500 CUC ou 7.812.500 CUP, quer dizer, uma importância equivalente a mais de 20 anos de salário mínimo em um país como a França, quinta potência mundial.
A dissidente, que primeiro emigrou à Suíça depois de optar por voltar a Cuba, é bastante sagaz para compreender que o fato de adotar um discurso a favor de uma mudança de regime agradaria aos poderosos interesses contrários ao governo e ao sistema cubanos. E eles, por sua vez, saberiam se mostrar generosos com ela e permitiriam gozar da dolce vita em Cuba.
 
(*)Salim Lamrani -  Doutor em Estudos Ibéricos e Latinoamericanos pela Universidade Paris Sorbonne-Paris IV, Salim Lamrani é professor titular da Université de la Réunion e jornalista, especialista das relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro é intitulado Etat de siège: les sanctions economiques des Etats-Unis contre Cuba, París, Edições Estrella, 2001, com prólogo de Wayne S. Smith e prefácio de Paul Estrade. 


Foto: Ariel Arias/Latin Content/Getty Images
 

Um comentário:

  1. Sou a favor do capitalismo, por causa de liberdade que temos.. E a Yoani Sánchez, também é capitalista pelo que vejo do seu salário.

    Boa noite, excelente post.

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