Ronda
Paulo Vanzolini
De noite eu rondo a cidade
A te procurar sem
encontrar
No meio de olhares
espio em todos os bares
Você não está
Volto pra casa
abatida
Desencantada da vida
O sonho alegria me dá
Nele você está
Ah, se eu tivesse
quem bem me quisesse
Esse alguém me diria
Desiste, esta busca é
inútil
Eu não desistia
Porém, com perfeita
paciência
Volto a te buscar
Hei de encontrar
Bebendo com outras
mulheres
Rolando um dadinho
Jogando bilhar
E neste dia então
Vai dar na primeira
edição
Cena de sangue num
bar
Da avenida São João
Essa musica não fez parte das minhas referências na adolescência, nessa época, já era uma música antiga, mas me fez chorar em Guarapari, de saudade de São Paulo, durante um almoço, frente a uma peixada, num período de exílio voluntário. Tem a cara de São Paulo, é de um compositor paulistano, Paulo Vanzolini, apaixonado por Sampa, que morreu nessa madrugada aos 89 anos. Um homem de moral, mostra a pluralidade e as contradições paulistanas, onde o boêmio pode muito bem conviver dentro de um cientista de talento raro.
Fica aqui a homenagem.
"Na década de 1940, Paulo Vanzolini dedicou-se à boemia,
começou a compor, formou-se médico e iniciou sua internacionalmente bem-sucedida
carreira de zoólogo.
É irresistível especular que há mais complementaridade do
que mera coincidência nessa superposição de atividades com aparências tão
diferentes.
O cientista que conhecia todas as minúcias de répteis e
anfíbios também era o autor de sambas que iam direto ao ponto, fazendo ricas
apresentações de personagens e histórias sem se perder em versos demais, salvo
exceções extensas como a primorosa “Capoeira de Arnaldo”.
“Vida comprida e vazia/ Dias e noites iguais./ Morte é paz”
(“Morte É Paz”); “Quando eu for, eu vou sem pena/Pena vai ter quem ficar”
(“Quando Eu For, Vou sem Pena”); “Só pretendo/ Que de tanto mentir,/ Repetir
que me ama,/ Você mesma acabe crendo” (“Mente”).
Além dessas músicas amargas, com o travo das noites
paulistanas que ele frequentou e interpretou tão bem, há as divertidas,
temperadas com o humor dos boêmios mais inteligentes.
“Mulher que não dá samba eu não quero mais” (“Mulher que Não
Dá Samba”); “Orgulho eu não tenho/ Mas sou homem demais pra cinquenta por
cento” (“Maria que ninguém queria”); “Pondo a modéstia de parte,/ É Napoleão
Bonaparte e eu/ Que sabemos de verdade/ O quanto dói uma saudade” (“Napoleão”).
Em 2003, foi lançada a caixa de quatro CDs “Acerto de
Contas”, com 52 músicas de Vanzolini regravadas por Chico Buarque, Paulinho da
Viola, Miúcha, Elton Medeiros, Martinho da Vila e muito mais gente.
Era a prova irrefutável, caso alguém ainda tivesse dúvida,
de que sua obra ia muito além de “Ronda” e “Volta por Cima”, seus dois grandes
sucessos – tão grandes que incomodavam a sua discrição, sobretudo o primeiro,
pois não morria de amores pelo samba-canção terminado num bar da avenida São
João.
Paulo Vanzolini não se reduz a classificações fáceis. Não é
apenas um cronista de São Paulo, embora seja um dos melhores, com mais nuances
do que seu amigo Adoniran Barbosa.
Não é só da fossa, da bossa, das moças. Mexeu em temas e
linguagens variadas com seu bisturi preciso. O jeito econômico, refletido numa
discografia de quatro títulos (apenas um com sua voz), é coerente com o que
compôs.
Ouvi-lo é sempre comover-se e, ao mesmo tempo, levantar e
sacudir a poeira."
(Luiz Fernando Vianna é jornalista, autor de “Aldir Blanc – Resposta ao Tempo” (Casa da Palavra).Folha)
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