Nunca fomos tão felizes. Então veio o golpe
Paraíso não era, nunca foi, mas raras outras vezes tivemos a
impressão de que o céu podia ser aqui
Sérgio Augusto - O Estado de S.Paulo
Paraíso não era, nunca foi, mas raras outras vezes tivemos a
impressão de que o céu podia ser aqui mesmo como entre a segunda metade da
década de 1950 e os primeiros anos da década seguinte. Democracia plena,
otimismo econômico, industrialização acelerada, um presidente (JK) sonhador,
sorridente e dinâmico, com a autoestima turbinada por duas Copas do Mundo, pelo
reinado de Eder Jofre nos ringues internacionais e Maria Esther Bueno nas quadras
de Wimbledon, o Brasil se descobriu contemporâneo, progressista e culturalmente
relevante.
Relevante e influente. Graças, sobretudo, à bossa nova,
nosso maior produto de exportação depois do café, do futebol e de Carmen
Miranda. Oficialmente apresentada aos americanos num histórico concerto no
Carnegie Hall, em novembro de 1962, a bossa nova precisou de muito pouco tempo
para conquistar os gringos e polinizar a música popular do mundo inteiro. Só
entre 1961 e 1963, Samba de Uma Nota, de Tom & Newton Mendonça, foi gravada
por 15 músicos americanos e europeus.
Teatro de Arena da UFRJLocal que respira história e cultura. Aquele que, na época em que o palácio era um hospício, servia para vigiar os doentes, também foi um marco da música popular brasileira. No final da década de 50, o Teatro de Arena foi o palco que lançou o mais importante movimento de música cosmopolita do Brasil, a Bossa Nova, durante o lançamento do disco de João Gilberto, “Chega de Saudade”, onde estiveram presentes Tom Jobim, Vinícius de Moraes e Nara Leão que fariam outro show no local no ano seguinte.
Vivíamos uma renascença musical, não por obra exclusiva da
bossa nova e da "redescoberta" do samba do morro (primeiro no
Zicartola e na Estudantina, mais tarde no show Opinião), mas também porque o
protofunk de Jorge Benjor (então Ben, simplesmente) aos poucos enxotava das
pistas de dança o twist e o hully gully. A Jovem Guarda ainda era pouco mais
que um brilho nos olhos de Roberto Carlos quando as refinadas harmonias de
Moacyr Santos, o nosso Duke Ellington, ganharam um LP (Coisas) com o selo de
uma nova gravadora independente, Forma, tão exigente e elegante quanto a
Elenco, que Aloisio de Oliveira, ex-parceiro de Carmen Miranda e Tom Jobim ,
criara para eternizar em disco o melhor da moderna música popular brasileira.
Além de ser a responsável pela popularização de Saint
Tropez, na França, ao se mudar para lá no começo dos anos 1960, no verão de
1964 Brigitte Bardot também mudou a vida de uma pequena cidade do litoral do
Rio de Janeiro chamada Armação dos Búzios, então distrito de Cabo Frio, onde
ficou hospedada em suas visitas pelo Brasil, na companhia do namorado Bob
Zaguri, um playboy e produtor marroquino que viveu muitos anos no Brasil.
Depois da visita de BB, acompanhada diariamente pela imprensa e recheada de
fotografias, Búzios foi 'descoberta', virou município e tornou-se um dos pontos
mais sofisticados e procurados do verão brasileiro, inclusive por estrangeiros.
Elenco e Forma surgiram em 1963, ano especialmente marcante
para a cultura do País. Líamos mais e melhor naquela época, tínhamos uma das
mais sofisticadas revistas do mundo, a Senhor, que quatro anos antes chegara às
bancas prometendo em editorial o que nunca deixaria de cumprir: publicar
artigos, ensaios, cartuns, reportagens, entrevistas e fotos para os
"elementos mais responsáveis da vida nacional, a fim de estimulá-los a
considerar com mais seriedade os problemas culturais do País.
Maria Esther Bueno (tênis) – 71 títulos, entre eles:
torneios individuais de Wimbledon, na Inglaterra, em 1959, 1960 e 1964, e os de
duplas em 1958 (com Althea Gibson), 1960 (com Darlene Hard), 1963 (Hard), 1965
(com Billie Jean King) e 1966 (com Nancy Richey).
Ganhou ainda os torneios individuais do Aberto da Itália em
1958, 1961 e 1965. Em 1960, jogando em dupla, triunfou nos torneios de Aberto
da Austrália, dos Estados Unidos, Roland-Garros (França) e Wimbledon - e assim
conquistou o Grand Slam daquele ano.
Desenhada por Carlos Scliar e Glauco Rodrigues, com textos
da fina flor da intelectualidade (de Clarice Lispector a Paulo Francis,
Ferreira Gullar, Ivan Lessa, José Guilherme Merquior, Luís Lobo) e cartuns de
Jaguar, Senhor era a nossa Esquire, a The New Yorker carioca, o complemento
mensal perfeito para o banquete de inteligência e erudição que nos serviam os
sabáticos suplementos literários do Jornal do Brasil (SDJB), do Estado e da
Tribuna da Imprensa.
Poesia. Não havia livros de autoajuda nem autores repetidos
nas listas dos mais vendidos. Herbert Marcuse e Marshall McLuhan faziam a
cabeça da massa pensante e nossos poetas de ponta (Drummond, Bandeira, João
Cabral) ainda estavam vivos e ativos, assim como a arte da crônica e da
narrativa curta, honradas naquele ano por Sérgio Porto (A Casa Demolida),
Carlos Heitor Cony (Da Arte de Falar Mal), Dalton Trevisan (Cemitério de
Elefantes) e pelo estreante Rubem Fonseca, cuja coletânea de contos, Os
Prisioneiros, lançada por uma pequena editora, deixou a crítica extasiada.
Pelé, Garrincha... O Brasil venceu a Copa do Mundo de 58 e
62.
Com a recém-fundada Escola Superior de Desenho Industrial
formando seus primeiros quadros, iniciamos a década de 1960 ainda mais
convencidos de que um bom visual podia até melhorar um mau produto. A revista
Senhor era um bom exemplo. E o mesmo se diga do Jornal do Brasil depois de sua
reforma gráfica no final dos anos 1950, das capas minimalistas dos discos da
Elenco e dos livros da Civilização Brasileira, estas concebidas por Eugenio
Hirsch, e dos lançamentos da exclusiva Editora do Autor, a cargo de Glauco
Rodrigues e Bea Feitler.
Com suas estrelas (Cacilda Becker, Maria Della Costa, Tônia
Carrero, Fernanda Montenegro, Sérgio Britto, Ítalo Rossi) no apogeu e ainda sem
a concorrência das telenovelas, o teatro nacional exibia um vigor artístico que
São Paulo (TBC) e Rio (Teatro dos Sete) em breve deixariam de ver. À margem da
ribalta clássica, o Centro Popular de Cultura, núcleo de esquerda da União
Nacional dos Estudantes criado em 1961 para levar teatro ao povo e discutir
seus problemas com as lições de Marx e Brecht, entrou em cena cheio de
entusiasmo, e na primeira oportunidade, aproveitando-se da maré favorável ao
cinema da terra (O Pagador de Promessas conquistara a Palma de Ouro do Festival
de Cannes de 1962), meteu-se a produzir filmes; o primeiro, urbano, de
episódios ambientados no que hoje chamam de comunidade carente (Cinco Vezes
Favela), o segundo, rural, no coração dos conflitos agrários do Nordeste,
inspirado num cordel de Ferreira Gullar e dirigido por Eduardo Coutinho, com o
título de Cabra Marcado Para Morrer.
No dia 21 de novembro completam-se 50 anos de um dos shows mais representativos do estabelecimento da bossa nova nos Estados Unidos. Em 1962, mais de 3 mil pessoas compareceram ao Carnegie Hall, em Nova York, para assistir às apresentações de Tom Jobim, João Gilberto, Roberto Menescal, Sérgio Mendes, Carmen Costa e de inúmeros outros artistas brasileiros que encabeçavam o então novo gênero musical brasileiro. Símbolo. Ainda vendendo otimismo adentramos 1964, recebendo a visita, nos primeiros dias de janeiro, de um dos mais cobiçado símbolos sexuais do cinema, Brigitte Bardot, e, duas semanas depois, da atriz e cantora espanhola Sarita "La Violetera" Montiel. Sarita veio filmar Samba, uma bobagem carnavalesca; BB veio a lazer, trazida pelo noivo, Bob Zagoury, um playboy marroquino apaixonado pelo Brasil, que a levou para uma aldeia de pescadores, na região dos Lagos, no Estado do Rio. Nascia ali a mística de Búzios, a Saint-Tropez do Atlântico Sul, onde até hoje sua musa e padroeira é reverenciada, agora em forma de estátua de bronze. BB lá se enfurnou durante quatro meses, segundo ela própria, os mais felizes de sua vida.
No dia 21 de novembro completam-se 50 anos de um dos shows mais representativos do estabelecimento da bossa nova nos Estados Unidos. Em 1962, mais de 3 mil pessoas compareceram ao Carnegie Hall, em Nova York, para assistir às apresentações de Tom Jobim, João Gilberto, Roberto Menescal, Sérgio Mendes, Carmen Costa e de inúmeros outros artistas brasileiros que encabeçavam o então novo gênero musical brasileiro. Símbolo. Ainda vendendo otimismo adentramos 1964, recebendo a visita, nos primeiros dias de janeiro, de um dos mais cobiçado símbolos sexuais do cinema, Brigitte Bardot, e, duas semanas depois, da atriz e cantora espanhola Sarita "La Violetera" Montiel. Sarita veio filmar Samba, uma bobagem carnavalesca; BB veio a lazer, trazida pelo noivo, Bob Zagoury, um playboy marroquino apaixonado pelo Brasil, que a levou para uma aldeia de pescadores, na região dos Lagos, no Estado do Rio. Nascia ali a mística de Búzios, a Saint-Tropez do Atlântico Sul, onde até hoje sua musa e padroeira é reverenciada, agora em forma de estátua de bronze. BB lá se enfurnou durante quatro meses, segundo ela própria, os mais felizes de sua vida.
Ela ainda era o grande assunto mundano da praça, quando
Glauber Rocha fez a primeira exibição privada de Deus e o Diabo na Terra do
Sol, para um seleto grupo de amigos, na manhã de uma sexta-feira 13. E fomos
todos para o vetusto cinema Vitória, perto da Cinelândia, centro do Rio, adrede
escolhido porque dali os convidados de Glauber identificados com o governo
Jango rumariam para o ominoso Comício da Central do Brasil, programado para o
final da tarde.
Estávamos a 18 dias do golpe militar. Deus e o Diabo só
seria lançado em julho, depois de se consagrar em Cannes. Já Cabra Marcado Para
Morrer, cujas filmagens, em Engenho da Galileia (Pernambuco), foram
interrompidas pelos militares, teve de esperar pela anistia para poder ser
concluído, exibido e várias vezes premiado. Apenas a ditadura estava marcada
para morrer. Mas teríamos de esperar 21 anos.