Trecho do rio em frente ao monumento (Foto: Flávio Moraes/G1)
Ícone da Independência, rio Ipiranga corre poluído e vira
ponto de drogas
Nascente e pequeno trecho ainda são preservados no Jardim
Botânico.
Mas quando deixa o parque, esgoto e canalização destroem
suas águas.
Em frente ao Monumento da Independência, no bairro do
Ipiranga, em São Paulo, um cheiro podre toma o ar. Quem se aproxima do local
onde D. Pedro I deu o grito da nossa “libertação” para ver de perto o famoso
riacho citado no hino nacional, encontra um cenário triste: sujeira, mau cheiro
e meninos fumando crack no que sobrou de suas “margens plácidas”. Cento e
noventa anos depois da Independência, esse é o estado do riacho do Ipiranga em
seu lugar mais nobre.
Segundo a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo
(Cetesb), a qualidade da água deste ponto específico do rio foi avaliada como
“péssima” em medições feitas em janeiro, em maio e em julho deste ano. Em todos
os seus 9,5 km de extensão pela cidade, só há um ponto em que ele é realmente
limpo: em sua nascente, no Jardim Botânico.
Lá, uma trilha de 20 minutos construída no meio de uma
reserva da mata atlântica leva a uma das três fontes que formam o rio. Limpo e
com peixes, ele segue a céu aberto até o final do parque, quando encontra
outros dois córregos na cidade e começa a receber o esgoto e a sujeira que o
poluem.
“Depois da descanalização, a visitação [no Jardim Botânico]
aumentou bastante”, conta Tânia Cerati, diretora do núcleo de pesquisa em
educação do Instituto de Botânica. Quando ela chegou ao Jardim, há 20 anos, o
riacho era tampado com um concreto, obra provavelmente do começo do século XX.
O acesso à uma de suas nascentes era um projeto de Tânia, concretizado em 2006.
Dois anos depois, ele foi todo revitalizado, e hoje o paisagismo do parque
acompanha suas águas. “Acho que aqui é um bom exemplo de que é possível
restaurar a natureza e com isso compensar vários erros que cometemos no
passado”, diz ela.
Saindo do Jardim Botânico, no entanto, o riacho praticamente
morre. Passando pela Rodovia dos Imigrantes, às vezes sob galerias fechadas e
às vezes a céu aberto, suas águas recebem esgoto e são praticamente irreconhecíveis
por quem passa ao redor.
O G1 percorreu a Avenida Abraão de Morais em diversos
trechos e apenas um pedestre - nenhum motorista - sabia que no meio daquele
buraco cimentado no canteiro central corria o famoso rio Ipiranga. Em outras
partes da cidade, algumas pessoas não sabiam nem que o riacho ainda existia.
“Mas esse rio não tinha secado?”, perguntou uma moradora da Zona Sul.
A relação das pessoas com o riacho do Ipiranga é quase
inexistente. Para Tânia Cerati, isso se deve muito ao fato de ele correr seco,
sem mata ao redor, entre grandes avenidas. "Uma parte dele é canalizada,
e, portanto, imperceptível. Mas a partir de um determinado trecho, ele é
descanalizado, corre a céu aberto. Só que tem um grande problema: existem
avenidas que percorrem a lateral desse rio. Não basta só a descanalização, é
preciso ter um rio que tenha qualidade boa da água. Isso vai trazer peixes, vai
trazer uma flora e uma fauna associadas. Também nas margens é preciso criar um
ambiente propício, aquilo que chamamos de mata ciliar. É isso que dá suporte à
existência do rio, e é isso que torna agradável a convivência das pessoas com o
rio”, explica ela.
Imagem de negativo de vidro mostra o riacho do Ipiranga na região onde hoje é o Monumento à Independência. No detalhe, uma mulher lava roupas. Não há informações sobre a data exata da imagem, mas sabe-se que foi feita antes das obras do Monumento, na década de 1920 (Foto: Acervo do Museu Paulista da USP/José Rosael / Hélio Nobre)
Imagem de negativo de vidro mostra o riacho do Ipiranga na região onde hoje é o Monumento à Independência. No detalhe, uma mulher lava roupas. Não há informações sobre a data exata da imagem, mas sabe-se que foi feita antes das obras do Monumento, na década de 1920 (Foto: Acervo do Museu Paulista da USP/José Rosael / Hélio Nobre)
A historiadora e professora da USP Cecília Helena Salles
Oliveira diz que a relação do brasileiro com o riacho do Ipiranga é
"dupla". "Por um lado, há o reconhecimento de que é um lugar
diferente, porque estas paragens simbolizam o nascimento de uma nação. [...]
Mas por outro lado, é profundo desalento, porque o riacho está muito sujo,
recebe águas servidas, nas épocas de grandes chuvas ele alaga, continua
alagando.”
Imagem de negativo de vidro mostra o riacho do Ipiranga na
região onde hoje é o Monumento à Independência. No detalhe, uma mulher lava
roupas. Não há informações sobre a data exata da imagem, mas sabe-se que foi
feita antes das obras do Monumento, na década de 1920.
Supervalorizado
O Ipiranga tem, e sempre teve, um volume pequeno de água - e
por isso é comumente chamado de riacho. Seu uso na história do Brasil nunca foi
muito relevante, e sua fama se deve principalmente ao fato de estar ligado à
Independência do país. Essa tese foi defendida na dissertação de mestrado do
historiador e pesquisador do Arquivo Nacional Pablo Endrigo.
Ao G1, ele disse que o riacho era inexpressivo até a
Independência e que a primeira menção a ele nos documentos oficiais data de
1773 - uma tentativa de canalização que nunca aconteceu. "O uso do rio era
pelos tropeiros em viagens entre São Paulo e o porto de Santos, passando pela
Serra do Mar. Usavam [o rio] para beber água, lavar as botas. [...] O Ipiranga
esteve em uma região praticamente desabitada. Ele é mais valorizado do que
deveria pelo seu tamanho e uso."
Segundo o historiador, a fama do rio foi crescendo com o
hino nacional e com a pintura do quadro de Pedro Américo - que, ao retratar a
Independência, faz um desvio topográfico deixando o riacho à frente de D. Pedro
I, quando na realidade ele estaria atrás. Depois, veio a construção do Museu e
do Monumento à Independência."Aí você tem a associação final: a imagem, o
hino e a situação histórica."
Projetos (e paulistanos) frustrados
Embora não seja de
muito uso pela cidade, a não ser para receber dejetos, o riacho tem um papel
histórico para o país. O fato de estar poluído há tantos anos irrita muitos
moradores da capital, que já tentaram se mobilizar para mudar a situação.
O professor de engenharia da USP Sadalla Domingos é um dos
autores de um projeto de limpeza e revitalização do riacho, que cria um parque
linear desde a Rodovia dos Imigrantes até o Parque da Independência. Sadalla
apresentou o projeto à Prefeitura da cidade em 2005, mas não recebeu nenhuma
resposta. Segundo ele, falta vontade política.
"Como é possível que um símbolo histórico do Brasil
tenha chegado a este grau de poluição? Além disso, qual é a expectativa em
relação ao Riacho do Ipiranga e a todos os outros rios, e por que não ampliar a
questão: qual é o ambiente de cidade que desejamos?", questiona o
professor, indignado.
Outro entusiasta do projeto, o professor de direito
ambiental da PUC Guilherme José Purvin criou um fórum de debates sobre uma possível
revitalização do Riacho e a criação de um parque ao seu redor. "O rio está
morto, completamente morto. Se você for na [Avenida Dr] Ricardo Jaffet, aquilo
está num estado deplorável. [...] Acho meio vergonhoso. Uma professora leva os
alunos para conhecer o lugar da independência e é uma região que tem desmanche
e motel", diz ele.
A reportagem do G1 percorreu o trajeto do riacho, da
nascente até o desague, no rio Tamanduateí, e encontrou sujeira e mal cheiro em
todo o caminho - a partir da saída do Jardim Botânico. Em três dias diferentes,
pôde ver jovens usando drogas nas margens que ficam em frente ao Monumento da
Independência.
Procurada pelo G1, a Prefeitura de São Paulo informou que
desde 1986 foram realizadas 12 obras na região, que contribuíram para diminuir
o problema das enchentes. As últimas obras quase dobraram a vazão do córrego e
aumentaram de 9 para 13 metros sua largura. "Além disso, as galerias e o
sistema de drenagem foram substituídos e ampliados, aumentando o fluxo de
escoamento da água", dizia a nota. As Subprefeituras Ipiranga e Vila
Mariana também informam que a limpeza no córrego do Ipiranga é realizada
mensalmente de forma manual e, em alguns trechos, com ajuda de máquinas.
A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) informa que concluiu, em julho deste ano, uma obra na região - parte da terceira fase do Projeto Tietê. Segundo a assessoria de imprensa do órgão, os investimentos foram de R$ 51,6 milhões e permitiram que 380 litros de esgoto por segundo vindos dos bairros Ipiranga, Vila Mariana, Saúde, Bosque da Saúde, Cursino, Jabaquara e Americanópolis seguissem para tratamento na estação de Barueri.
A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) informa que concluiu, em julho deste ano, uma obra na região - parte da terceira fase do Projeto Tietê. Segundo a assessoria de imprensa do órgão, os investimentos foram de R$ 51,6 milhões e permitiram que 380 litros de esgoto por segundo vindos dos bairros Ipiranga, Vila Mariana, Saúde, Bosque da Saúde, Cursino, Jabaquara e Americanópolis seguissem para tratamento na estação de Barueri.
Ainda de acordo com a Sabesp, as medições feitas desde o
término da obra mostram uma melhoria na qualidade da água do riacho do
Ipiranga. No entanto, o último resultado da coleta feita pela Cetesb, de julho,
mantém a indicação de qualidade "péssima".
Futuro
"O riacho do
Ipiranga pode e deve ser recuperado como uma prioridade entre todos os rios da
cidade. [...] Isto é renaturalização de corpos d'água em áreas urbanas, uma
tendência em todos os países: rios são despoluidos e destampados pelo menos em
alguns trechos que permitam aos cidadãos perceber que tem um rio sob seus
prédios, rodas e pés. É aqui que entra a política não só como interpretação do
momento, mas como intuição, uma premonição até, para tomar uma decisão hoje
como antecipação de uma demanda que será inevitável e muito mais cara ou até
impossível [no futuro]", explica o professor Sadalla.
Ele termina a entrevista expressando um desejo, quase uma
profecia, em nome de muitos brasileiros: "Antecipemos o início das
programações do bicentenário da Independência e iniciemos no Ipiranga a limpeza
de todas os nossas águas." (G1)Fica ai um bom tema para se pensar no dia Sete de Setembro quando comemoramos o nossa Independência.
Ouviram do Ipiranga às margens
plácidas
De um povo heróico o brado retumbante,
E o sol da Liberdade, em raios fúlgidos,
Brilhou no céu da Pátria nesse instante.
Se o penhor dessa igualdade
Conseguimos conquistar com braço forte,
Em teu seio, ó Liberdade,
Desafia o nosso peito à própria morte!
De um povo heróico o brado retumbante,
E o sol da Liberdade, em raios fúlgidos,
Brilhou no céu da Pátria nesse instante.
Se o penhor dessa igualdade
Conseguimos conquistar com braço forte,
Em teu seio, ó Liberdade,
Desafia o nosso peito à própria morte!
Ó Pátria amada,
Idolatrada
Salve, Salve!
Idolatrada
Salve, Salve!
......
Um excelente tema para se considerar em vésperas de eleição a prefeito da maior cidade brasileira.
Nota da blogueira insana: Tenho vontade de chorar quando vejo a "minha" cidade entregue aos ratos. "Minha cidade" porque é aqui que nasci e vivo, porque sei da sua importância para esse país, para a preservação de nossa história! Sei que não acontece só com São Paulo, mas se as pessoas que vivem nas cidades onde grassa a corrupção, o descaso e a incompetência das prefeituras não se importam, eu me importo, quero registrar aqui a minha indignação!
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