Era
cerca de 8h desta segunda-feira (21) quando o vendedor aposentado Reinaldo, de
62 anos, chegou à casa da filha para o café da manhã. Ana Paula, de 33 anos,
havia chamado o pai, que é morador de rua e usuário de crack há mais de dois
anos, para ir a sua casa porque desejava lhe levar ao médico.
Reinaldo
dizia sentir dores no corpo, problema de audição, não comia bem, sumia por
meses sem deixar pistas.
Preocupada
com a situação alarmante do pai e com diversos furtos que ele fez em sua casa e
na dos irmãos, planejou uma "armadilha": o café seria a isca para
dopá-lo e levá-lo à força até a sede do Centro de Referência em Álcool, Tabaco
e outras Drogas (Cratod), no Centro de São Paulo, onde o governo estadual
iniciaria um programa de internação compulsória de dependentes químicos.
Antes do
café, Reinaldo queria tomar caldo de cana. E foi onde Ana Paula colocou dois
comprimidos de um forte calmante. A caminho do Cratod, ele dormiu no banco de
trás do carro, deixando cair um cachimbo que levava no bolso, para a surpresa
da família.
Quando vi
a notícia sobre o programa de internação, conversei com minha família e tomei a
iniciativa. Se eu não trouxesse ele à força, ele não ia querer e ia morrer na
rua"
Reinaldo
foi o primeiro paciente a ser internado na Cratod nesta segunda-feira, quando
teve início o programa de internação compulsória em que, após avaliação clínica
feita por médicos e psiquiatras, uma equipe jurídica formada por um promotor,
um defensor público, um integrante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e um
juiz analisam os casos em que há necessidade de internação à força.
Ana Paula
chegou à clínica por volta das 13h e, quatro horas depois, os médicos decidiram
que seu pai tem que fazer tratamento. Mas, como o plantão jurídico já tinha
acabado (o atendimento é das 9h às 13h), ela terá que voltar nesta terça-feira
(22) para conversar com o juiz que vai atuar no caso.
“Quando vi a notícia do programa de internação
sem a vontade da pessoa que o governo estava criando, resolvi que era hora de
fazer alguma coisa. Somos uma família de quatro irmãos, conversamos e, como
todos estavam de acordo, eu tomei a iniciativa. Se eu não trouxesse ele à força
para cá para ser internado, ele ia morrer na rua”, conta Ana Paula, que é
autônoma e possui um comércio de roupas no Jardim da Laranjeira, na Zona Leste
de São Paulo.
Após decidir
que era hora de fazer algo, a filha foi localizar o pai nas ruas e o convencer
a ir à sua casa na data marcada.
“Meu pai
é morador de rua. Desde que começou a usar crack, some de casa, passa dias
vagando pela região do Aricanduva, mendigando, comendo mal, sem se cuidar. Ele
diz que não consegue parar quieto nunca, que ouve barulhos, que tem que ficar
vagando", explica a autônoma.
"Não
sabemos mais como lidar com isso porque outras vezes que tentamos tratamento em
hospitais, ele saía, fugia. Precisamos de um lugar onde haja segurança, que ele
possa ficar sem riscos de fugir ou acontecer algo”, diz Ana Paula, que foi ao
centro de tratamento acompanhada da mãe, Telma.
Com
quatro filhos e oito netos, Reinaldo chegou a roubar os próprios filhos para
ter dinheiro para comprar crack, diz a filha. “Dávamos dinheiro para ele, mas
mesmo assim sumiu dinheiro de casa, ele pegava roupas e mercadorias minhas para
vender e sustentar o vício. Ele roubou a própria família. E é meu pai, eu me
preocupo. Se ele está na rua, não sei onde está, se está bem, se está vivo. Eu
não consigo dormir à noite por não saber como está meu pai”, afirma Ana Paula.
“Se fosse
pela vontade dele, ele não viria. Ele diz que prefere viver e morrer assim, nas
ruas”, relembra a filha. Segundo a família, o ex-vendedor começou a usar outros
tipos de drogas há mais de 10 anos, mas quando se separou da mulher e conheceu
o crack nas ruas, as coisas começaram a piorar.
“Nossa
separação foi porque ele já usava drogas e foi consumindo nossa família. Ele
foi se perdendo de tudo, se desligando de tudo. Nem os netos o faziam animar
mais. Desde que entrou no crack, perdeu a consciência da situação, não responde
mais por ele”, diz a ex-mulher Telma.
A família
deixou o Cratod por volta das 16h, após Reinaldo acordar, almoçar e conversar
com os médicos. Uma psiquiatra apontou que ele precisa de tratamento contra o
crack e Ana Paula foi informada que deve voltar nesta terça-feira para que um
magistrado analise o caso.
“Nos
falaram que não há vagas para este tipo de internação, contra a vontade, e que
um juiz deve apontar qual instituição deve receber o meu pai”, afirmou ela.
“Ele vai passar esta noite aqui, medicado, para ficar calmo, até que decidam o
que vai ser feito”, diz desapontada a filha, que esperava um destino para o pai
ainda nesta segunda-feira.
“Não
sabia do horário de funcionamento. Amanhã estaremos de volta”, diz.
Como
trabalharemos aqui juntos, espero que as decisões sobre internação compulsória
saiam em um dia. Ministério Público, OAB e defensoria poderão se manifestar
após um médico fazer a avaliação clínica"
Decisão
sobre internação em um dia
Segundo o
juiz Samuel Karasin, que irá decidir sobre a compulsoriedade do tratamento de
dependentes de crack no Cratod, cada caso será analisado separadamente após o
usuário ser ouvido e os médicos atestarem que realmente é preciso uma
internação, pois há risco de vida para o dependente.
Quando a
internação é involuntária (a pedido da família e com recomendação médica), o
juiz nem sempre é chamado a participar. O magistrado interfere, em especial,
quando há menores de idade envolvidos ou há necessidade de uma vaga com
urgência que não é disponibilizada no serviço público.
“Ainda
não vi o caso do senhor que veio dopado pela família, mas os médicos irão
apontar o seu diagnóstico e todas as partes, Ministério Público, OAB, terão a
oportunidade de se manifestar. Se é um processo de interdição, de forma
compulsória, um processo é aberto. Mas aqui, como estaremos todos trabalhando
juntos, espero que as decisões sejam rápidas e tudo não demore mais que um
dia”, diz o magistrado.
O plantão
judiciário para internações compulsórias no Cratod tem período preliminar de
atuação de seis meses, diz o juiz.
“Acho que
a maioria dos casos analisados será de internação involuntária, as internações
compulsórias são exceções, quando realmente será necessário tomarmos uma
atitude e a família não for localizada. O juiz aqui terá um papel maior para
garantir uma vaga para quem quiser se internar. E se não houver vaga no sistema
público, eu penso que o Estado terá a obrigação de arcar com os custos de uma
internação em clínicas privadas”, disse o juiz Iassim Issa, da Vara da Infância
e da Juventude.
Pais à
procura de esperança
O
primeiro dia de atendimento na Cratod com plantão judiciário foi marcado pelo
choro de mães e pais desesperados à procura de esperança para o futuro de seus
filhos dependentes de crack.
Um casal
de Itaim Paulista, na Zona Leste da capital, foi o primeiro a chegar. Trouxe a
filha de 16 anos, usuária de crack, cocaína e álcool, para ser internada. Nas
costas da menina, uma mochila escolar com roupas dentro. Os pais queriam que
ela saísse direto do Cratod para a clínica ainda nesta segunda-feira.
“Eu
recebi o casal logo que as portas se abriram. Eles estavam desesperados. Me
disseram: ‘doutor, por favor, faz algo pela minha filha’. A jovem estava
resistente à internação, mas conversando com os médicos acabou aceitando. Ela
entendeu que precisa de tratamento”, diz o desembargador Antonio Carlos
Malheiros, coordenador da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de São
Paulo.
“Nós
estamos na expectativa que o tratamento dê certo, pois já tentamos de tudo.
Minha filha some, acho até que ela está fazendo programas sexuais para ter
dinheiro para comprar a droga. Eu é que não dou dinheiro para isso, não”, diz o
pai da adolescente, um porteiro que pediu para não ser identificado. “Ela
precisa ficar pelo menos um ano trancafiada, presa, sem poder sair para rua
para poder ficar limpa das drogas”, acrescenta o pai. “Aos poucos ela está
entendendo que precisa se tratar”.
Internações
e agressões
O segundo
a chegar no Cratod em busca de uma internação involuntária para o filho de 35
anos foi o mecânico Arlindo (ele preferiu não divulgar o sobrenome), de 52
anos, que teve que faltar ao trabalho em busca de ajuda.
No
domingo, ele e o filho entraram em luta corporal após uma nova crise do jovem,
que queria dinheiro para comprar crack. O irmão mais velho deu R$ 20 para que o
caçula fosse “para a rua” se acalmar.
“Achei
uma arma de brinquedo em casa, que ele usa para cometer assaltos e ter dinheiro
para o crack. Eu não queria devolver e escondi. Aí ele começou a me agredir,
porque queria de volta. Chamei a PM e não sabia o que fazer, mas os policiais
falaram que não podiam fazer nada”, conta Arlindo, mostrando as marcas das
agressões.
"Pai, nos
amamos, mas não vai ser você que vai impedir eu de comprar crack ou evitar de
eu ir para a cadeia ou até de morrer" (Homem de
35 anos em SMS para o pai)
“Estou
aqui para falar com um juiz, um advogado, para ver se posso internar contra a
vontade o meu filho. Ele já passou por 12 internações, sempre disse que ia
porque queria, mas ficava poucas semanas e fugia. Eu tinha R$ 90 mil na conta
que gastei pagando estes tratamentos que não deram em nada. Ele vendeu um
carro, me roubou, para ter dinheiro para o crack. Isso nunca tem fim. Sempre
que ele vai para a clínica, foge e volta a usar”, relembra o mecânico, que é
separado e mora na Zona Norte de São Paulo.
Arlindo
mostrou à reportagem do G1 mensagens de texto de celular que o filho havia lhe
escrito, pedindo a arma de brinquedo de volta. Em um dos textos, o filho dizia:
“Pai, me entregue o brinquedo, que não é meu e quem me emprestou sabe onde eu
moro. Devolva logo para evitar outra daquelas brigas de lutinha. Nos amamos,
mas não vai ser você que vai impedir eu de comprar crack de novo, ou evitar eu
de ir para cadeia ou até de morrer”, mostrou o pai, desesperado.
Um juiz
iria analisar o caso de Arlindo e avaliar a possibilidade de uma ambulância com
um médico ir à casa do mecânico para saber o quadro clínico do jovem. “Eu sei
que ele não vai deixar ninguém tocar nele e nem quer ser internado. Eu não sei
mais o que fazer”, desabafou. Arlindo deixou o Cratod às 16h e, como não sabia aonde
estava seu filho, não foi possível tentar uma internação à força na
segunda-feira.(Tahiane Stochero- G1, em São Paulo)
Muito bem governador Alckmin, resolveu pelo menos divulgar algum projeto de tratamento de quimiodependentes, um ano depois da desastrosa e desastrada operação "Espalha Crackeiro".
Esse artigo narra três casos de famílias em desespero que procuraram o serviço que dizem estar sendo oferecido, logo no primeiro dia, e já esbarram na dura realidade! Apenas notícia de jornal..., volta amanhã, vamos avaliar, as vagas precisam ser criadas! E quando serão, se forem?
Sabe, governador, até os mais ferrenhos defensores de suas boas intenções duvidam!
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